Primeiro Capítulo




Jonas Maia cavalgava de volta para casa, a fazenda que seu pai deixara como herança para ele, sua mãe e seu irmão mais velho, quando tudo o que desejava naquele momento era tomar um banho e comer alguma coisa para depois, sim, pôr os pensamentos em ordem, já que havia tido uma manhã de cão naquele feriado de quinta-feira. Estava cansado e precisava relaxar. Com o chapéu na cabeça, Jonas resmungou alguma coisa com o cavalo, quando de repente, ouviu a voz de alguém chamar-lhe. Era Beto, seu melhor amigo e companheiro de trabalho, que se aproximava também galgando.
 – Jonas! – gritou, aproximando-se. – Ainda bem que te encontrei, mano!
 Com os olhos sobressaltados, Jonas fitou o recém-chegado.
 – O que foi, Beto? Aconteceu alguma coisa?
 – A Mimosa, mano! – respondeu o amigo, esbaforido.
– A Mimosa tá parindo agora na fazenda!
 Jonas riu, entre alegre e emocionado. Uma mistura dos dois.
 – É mesmo? Mas isso é bom demais da conta, sô! Bora lá então, Beto! Bora!
 Agitado, puxou as rédeas do cavalo firmemente e seguiu apressado. Fazendo o mesmo, seu amigo foi atrás. Os dois eram amigos desde que se conheciam por gente. Nasceram juntos na fazenda e foram criados juntos também. O primeiro era branco dos cabelos lisos e escuros, atlético e belo, arisco e corajoso, mas tinha um gênio difícil e temperamento forte. Já o segundo era cafuzo dos cabelos densos e crespos, magro e não muito provido de beleza, mas tinha um sorriso singular e uma personalidade leve e agradável. A amizade era nitidamente forte entre eles. Quando os dois chegaram à fazenda, encontraram a mãe de Jonas, dona Gilda, seu filho mais velho, Silvio, e o pai de Beto, Zeca, em volta da vaca, que estava dando à luz naquele momento. Saltando ansiosamente do cavalo, o caçula dos Maias imediatamente se aproximou do animal, que era quase de estimação. Mimosa era uma vaca especial. Tinha sido ganha alguns anos atrás. Fora o último presente de seu pai.
 – Como ela está? – quis saber Jonas, arfante.
 A vaca estava ali, deitada, quietinha. Parecia bem. O filhote já estava com a cabeça para fora, prestes a sair.
 – Tudo certo, Jonas – falou Zeca, que também era seu padrinho. – Ela é forte. O filhote vai nascer daqui a pouquinho.
 Sorridente, Jonas agachou-se perto do animal e passou a acarinhá-la devagar. Em seguida, observou o bezerro, que estava todo encolhidinho dentro da mãe.
 – Acho que vou dar uma ajudinha pra eles – comentou.
 – Isso, acaba de uma vez com esse sofrimento dela – concordou seu irmão. Silvio era cinco anos mais velho, mas agia como se fosse o mais novo. Apesar de mais alto, era mais atrapalhado e inseguro também. Sempre deixara o irmão caçula tomar as rédeas da situação e dos negócios da família.
 – Que sofrimento é esse, Silvio? – resmungou a mãe dos dois, áspera. – Isso não é nada diante daquilo que nós, mulheres, passamos. Olha só. A Mimosa tá bem, tá tranquila. A impressão que eu tenho é que ela não tá sentindo nadica de nada.
 – Eu sei, minha mãe – retrucou o filho mais velho –, mas mesmo assim, não custa nada ajudar, não é verdade?
 Enquanto Jonas puxava o filhote para fora, aos poucos ele foi saindo de dentro da mãe. Nesse momento, Rita, mulher de Zeca e mãe de Beto, apareceu.
 – Que momento lindo – comentou, encantada, observando a cena. – É incrível o nascimento de um ser vivo, não é mesmo? Mesmo que ele seja apenas um bicho. E logo depois que o bezerro saiu, a vaca passou a lamber o próprio filhote. Jonas, então, ofegante, sentou-se ali mesmo no gramado, com um sorriso no canto dos lábios. Esfregando uma mão na outra, ele observou a vaca e seu filhote. Em seguida comentou:
 – O que acham da gente fazer um churrasco pra comemorar?
 – Bora!


 ****


 Mônica estava animada ao chegar de viagem. Finalmente voltava para casa após quase oito anos fora da cidade. Suspirando, pegou a bagagem e passou por um monte de pessoas sorridentes e agitadas, que estavam à espera de seus amigos e entes queridos no aeroporto. Procurando por alguém conhecido, ela conseguiu avistar sua irmã Pamela, do outro lado. Foram muitos anos de distanciamento entre as duas, mas nem por isso deixaram de ser grandes amigas. Pelo contrário. Sempre se falavam por telefone ou mesmo pelo computador, apesar de Pamela sempre se queixar de que a rede local da cidadezinha onde moravam ser uma porcaria. Vale da Mata – o lugar ficava no interior de Minas Gerais e era uma pequena cidade que havia sido habitada por muitas pessoas de várias partes do Brasil no final do século XIX – por isso o notável linguajar diversificado dos seus cidadãos. Lá as jovens eram chamadas de garotas, gurias e molecas ao mesmo tempo, uma coisa muito curiosa. Fora lá também que as duas irmãs foram criadas. Pamela e Mônica. A primogênita era branca dos cabelos claros, na altura das costas. Tinha olhos ternos e uma beleza inegável. Já Mônica era morena jambo, dos cabelos escuros e longos. Apesar de magra, tinha coxas grossas e um ar travesso no olhar. Além disso, era bonita e sensual. 
– Mônica! – gritou Pamela, acenando. – Aqui!
 Sorrindo, Mônica foi ao encontro da irmã, que parecia estar na companhia de alguém. Abrindo passagem por onde passava, ela conseguiu chegar até Pamela.
 – Mônica! – falou a irmã, outra vez – Que bom te ver, chéri! – e a abraçou. Mônica se deixou abraçar por Pamela, que emocionada, beijou-lhe as bochechas. Pamela era seis anos mais velha e elas eram irmãs apenas por parte de pai, o fazendeiro Jack Monteiro.
 – Também senti saudade, Pam! – falou, correspondendo ao abraço.
 – Oh, querida! – falou, de repente, uma voz familiar. – Que bom ter você de volta.
 – Dolores! – gritou Mônica, surpresa ao avistar a governanta da casa – você veio!
 – Mas é claro que vim – respondeu, abraçando-a – e você acha que eu perderia a sua chegada, meu bem?
 Dolores era uma senhora alta e magra. Beirava os sessenta anos de idade. Apesar de ser do interior, era elegante e mais culta que qualquer outra criada da fazenda. Pamela, então, afastou-se um pouco para olhar melhor a irmã.
 – Deixe-me vê-la melhor... – comentou. – Você está tão linda... Olha só a silhueta!
 Mônica sorriu, fazendo pose, enquanto as outras duas a observavam.
 – Verdade – concordou Dolores fitando a recém-chegada. – Você era tão magrinha quando foi para o Rio de Janeiro, meu bem. Voltou uma mulher!
 – Cresci – respondeu, sorrindo, e olhando em volta, perguntou: – E papai, cadê?
 – Papai teve uma reunião hoje cedo, chéri – explicou a irmã. – Por isso não veio. Mas mandou preparar um jantar hoje à noite especialmente pra você.
 – Sério? – riu Mônica. – Típico do Sr. Jack Monteiro, o poderoso – zombou.
 – Não zomba. Mas vem cá, que eu quero te ver melhor... Olha só como está maravilhosa, Dolores!
 – Ah, para com isso, que assim vocês me deixam encabulada! – resmungou Mônica.
 – Você nunca vai ficar encabulada, chéri!
 As três riram. Dolores, então, comentou:
 – Meu bem, você precisa ver o quarto que eu mandei preparar pra você. Tá lindo. Vai adorar.
 – Ah, Dolores – respondeu – nem me fala... não vejo a hora de chegar em casa, tomar um banho e me jogar na cama... essa viagem tirou todas as minhas energias, vocês não têm ideia.
 – Você vai fazer isso, sim – respondeu Pamela, puxando a irmã pelo braço – assim que chegarmos.
 – As malas... – balbuciou Mônica, virando-se para trás.
 – Deixe comigo, meu bem – falou a governanta, levando-as – podem ir na frente, que eu cuido disso.

****


 Quando chegaram ao casarão dos Monteiro, Mônica caminhou lentamente. Era como se estivesse voltando ao tempo numa fração de segundos. Tudo parecia como oito anos atrás. A sala, os móveis, os objetos. Quase nada diferente. Olhando ao redor, parecia que nada havia sido mudado ou retirado do lugar. Deu alguns passos para a frente e tocou na mesinha de centro, que continuava ali com aquele brilho de verniz de sempre. A cadeira de balanço da vovó continuava no canto, próxima à janela. Aquele cheirinho de casa do campo pairava no ar. Mônica sorriu. Um sentimento de saudade lhe invadiu o peito, uma sensação de tempo perdido, de anos passados. Como ficara tanto tempo fora! E o pior que só agora percebera isso. Olhou em volta e mirou os olhos nos quadros pendurados na parede. Avistou fotos de quando ainda eram pequenas, ela e Pamela. Sorriu. Sentiu lágrimas, de repente, brotarem em seus olhos. Saudade. Saudade de um tempo que não voltaria mais.
 – Tudo bem, chéri – sussurrou sua irmã, abraçando-a –, agora você está em casa outra vez. Vamos? Mônica assentiu com a cabeça. Limpou uma lágrima que caía dos olhos com a costa da mão.
 – Venha ver seu quarto – chamou Pamela.
 Subindo as escadas, Mônica olhou atentamente para ver se encontrava mais alguma coisa igual a oito anos atrás. Ao chegar no quarto, ficou feliz ao encontrar tudo perfeitamente como imaginava. O closet de marfim, que combinava com a cômoda e a estante, a cama de casal forrada com lençol de seda florido.
 – E então? O que achou?
 – Eu amei tudo! – e olhando em volta – nossa, é lindo!
 De repente, elas ouviram o grito de Dolores, que havia ficado no andar de baixo.
 – Meninas, temos visita! – gritou a governanta – Lara está subindo.
 Lara era uma amiga de infância. Após alguns minutos, elas avistaram a moça aparecer na porta.
 – Olá, Meninas – falou, um pouco sem graça – assim que soube da novidade, vim correndo dar as boas-vindas para Mônica.
 – Lara! – falou Mônica, indo em sua direção – como vai?
 E as duas se abraçaram.
 – Nossa, quanto tempo! – exclamou Lara, sorrindo – como você está?
 – Estou ótima. E você?
 – Também. E melhor agora sabendo que você está de volta.
 – Ah, obrigada.
 Após se olharem e sorrirem, Mônica puxou-a pelas mãos.
 – Venha, fique à vontade. Aproveite e me ajude a desfazer as malas.
 Lara era uma grande amiga da família. Era filha única de Aroeira, um dos maiores fazendeiros da região. Apesar de não ser feia, era uma moça um pouco sem graça e um tanto desinteressante. Tinha os cabelos escuros, na altura dos ombros, a pele clara e os olhos pouco expressivos. Seu jeito inseguro e retraído a desfavorecia ainda mais. Mônica, então, abriu uma das enormes malas e começou a desfazê-la.
 – Vocês não têm noção de como está sendo bacana pra mim matar a saudade de todos na cidade – comentou – ainda quero rever um por um.
 Pamela, então, sentou-se na beirada da cama e comentou:
 – E eu não tenho palavras pra descrever a alegria que estou sentindo de tê-la de volta, chéri. Isso era tudo o que eu queria. Juro.
 – Oh, que fofo! – brincou Mônica. E piscou para Lara, que riu.
 – Vocês sabem que eu sempre tive vontade de ter uma irmã? – comentou a amiga, de repente.
 As outras duas fitaram-na.
 – É mesmo? – Pois é – continuou – vendo assim vocês duas juntas, sabe, eu sinto o quanto uma irmã faz falta. Ou mesmo um irmão.
 – É verdade – concordou Pamela – eu não sei o que seria de mim sem essa maluquinha aqui – e apontou para a irmã – Mesmo sendo maluca assim.
 – O bom de ter uma irmã – falou Mônica, divertida – é que a gente sempre briga e logo depois faz as pazes. E o ruim é que você sempre corre o risco de ter suas roupas, sapatos e maquiagem violados! Entre outras coisas mais.
 – Ah, mas era sempre você que pegava as minhas coisas, chéri, e não eu! – protestou Pamela.
 – Você também pegava as minhas coisas, Pam! – retrucou Mônica – não esqueço daquele meu porta joia que você quebrou. Lembra?
 – E as minhas maquiagens e perfumes que você usava? – queixou-se a irmã mais velha, chocada. Lara gargalhava com as histórias das duas. Distraídas, elas nem perceberam quando alguém abriu a porta do quarto e entrou. Era Dolores, a governanta.
 – Meninas – falou a mulher – vim lembrá-las de que o pai de vocês mandou preparar um jantar hoje pra comemorar a chegada de Mônica. Espero que estejam preparadas às oito. E não se atrasem.
 – Ah, Dolores – falou Mônica, enquanto continuava tirando as roupas da mala – e quem se importa com jantar? Por que não vem pra cá matar a saudade, hein?


 ****


 Após o churrasco, Jonas decidiu cavalgar um pouco para espairecer. Precisava descansar as ideias. E depois de cavalgar por algum tempo, resolveu descer do cavalo e sentar-se no gramado. Encostando a cabeça em um tronco de uma árvore qualquer, ele fechou os olhos e suspirou. Precisava daquele momento. Daquele tempo só para si. Queria tirar os problemas da fazenda um pouco da cabeça e relaxar. E não pensar em mais nada. Desde que seu pai morrera, alguns anos atrás, ele vivia com a responsabilidade da administração da fazenda. Seu irmão não tinha habilidades para aquilo. Sílvio era ingênuo e atrapalhado. Sempre fora assim. Jonas sempre sentira o peso da responsabilidade nas costas, desde garoto. E quando seu pai morreu o peso só aumentara. Jonas suspirou. Seu velho estaria orgulho dele agora, pensou. Estava dando conta direitinho dos negócios. A fazenda continuava crescendo, os empregados continuavam sendo pagos em dia, tudo seguia bem. Sorrindo, ele sentiu-se mais relaxado. Começou a prestar a atenção no som dos pássaros ali perto, sob as árvores. Era bom ouvir aquele som. Fazia tempos que não parava para fazer aquilo. Mas, de repente, o rinchar de um cavalo aproximando-se chamou-lhe a atenção. Parecia um animal agitado, sem rédeas, descontrolado. Jonas abriu os olhos e pôde avistar uma mulher em cima dele. Ela parecia assustada e gritava com o bicho, tentando controlá-lo, mas em vão. O cavalo parecia arredio. Levantando-se rapidamente, Jonas tentou chegar a tempo de evitar o pior, mas após um grito, o cavalo relinchou alto, e levantou-se, derrubando a mulher no chão. A única coisa que Jonas conseguiu ver em seguida foi a mulher estirada no chão e o cavalo saindo batido. Aproximando-se dela, agachou-se a seu lado e deu graças a Deus por encontrá-la acordada. Apesar do susto, ela parecia bem.
 – Ei, tudo bem? – indagou, observando-a – se machucou?
 – Eu não sei... – murmurou ela, tremendo – eu acho... acho que quebrei a perna...

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